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quarta-feira, 7 de maio de 2014

Martha Medeiros - Jornal Zero Hora - 07/05/13

O avião da Malaysia

Toneladas de aço, uma montanha de bagagens, 239 pessoas a bordo e não se encontra nem uma garrafa PET chinesa boiando no mar para indicar onde, afinal, estão os destroços do Boeing 777 da Malaysia Airlines que sumiu dos radares há dois meses – completados amanhã. Um sofrimento atroz para os parentes de todos os desaparecidos. Ninguém consegue compreender o que aconteceu, não há como adivinhar. É tudo especulação (e há várias: conspirações envolvendo talibãs, piloto abduzido pelo demônio, sequestro por extraterrestres etc).

Um acontecimento desestabilizador como este ao menos serve para baixar nosso topete e nos fazer lembrar que, mesmo num mundo com extraordinário alcance tecnológico, onde todos sabem de tudo e ninguém mais consegue se esconder, ainda há espaço para o mistério.

Mantenho uma atitude respeitosa diante dessa ausência total de pistas, desse aturdimento, desse suspense que desafia o cérebro. Quando um avião, que é um negócio gigantesco, sólido e monitorado, de repente some como num passe de mágica, somos obrigados a nos reposicionar diante da vida, a nos colocar em nossos devidos lugares. A raça humana desce do pedestal e se reencontra com sua humildade. Simplesmente, há coisas que nunca ficam esclarecidas.

Ainda bem que são poucas, ainda bem que nem sempre. Não conseguiríamos ir adiante se só colecionássemos perguntas sem respostas. Necessitamos de teorias, fórmulas, confirmações. Elas finalizam as dúvidas, encerram as questões para que a vida possa ser regenerada, recomeçada, para que novas perguntas possam ser feitas, para que superemos o já feito e planejemos outros passos. É assim o processo.

Precisamos que acabe. Tudo. Sem a consciência e o exercício da finitude, não há como valorizar o caminho percorrido. Escrevemos, projetamos, construímos, pesquisamos, e esse longo trabalho só se justifica quando alcançamos algum desfecho. Ele pode até demorar, mas, sem ele, cai-se no vazio, parece que todo o esforço foi em vão.

O avião da Malaysia desviou do seu plano de voo e não concluiu a viagem, desafiou a lógica: decolou naquele 8 de março que chamamos de “antes”, mas não chegou ao depois. Tudo indica que se manterá eternamente no durante, que é um espaço de tempo invisível, sem registro.

Quando compreendemos algo, quando destrinchamos uma situação, quando estamos a par do que aconteceu, dormimos mais tranquilos e seguros, protegidos pela racionalidade. Entender nos aterrissa. O não entender, ao contrário, é livre, rebelde e nos conduz ao infinito. Todas as possibilidades são consideradas, nenhuma possibilidade também. Não há fim. Não há morte. Não há ponto final.

Apenas a transgressora, poderosa (e enlouquecedora) reticência que fica inexplicada para sempre.



Jornal Zero Hora - 07 maio 2014
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