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quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Martha Medeiros - Jornal Zero Hora - 11/01/17

Acompanhantes


Já que recentemente lancei um livro com relatos de viagens, uma revista especializada pediu que eu definisse, em duas palavras, a melhor parceria para uma travel experience. Duas palavras? Andam confiando demais no meu poder de síntese.

Quando as pessoas decidem sair de férias, pensam no roteiro, no limite do cartão de crédito, na meteorologia, no que colocar dentro da mala, e estão certas, têm juízo: todos esses cuidados conduzem ao sucesso da empreitada. Mas sobre a companhia pouco nos dedicamos. Não estou falando da companhia aérea, mas a companhia propriamente dita, aquela que estará sentada no assento ao lado. Sendo íntima, estará salva a jornada? Não mesmo.

Pra início de conversa, ajudaria muito se ela não fosse, justamente, aérea. Sabemos que sempre há alguém que assume o papel de “chefe de excursão”, aquele que fica atento ao painel de decolagens, à chamada para embarque, à apresentação dos documentos. Até aí, normal: um desliga-se enquanto o outro se liga, mas o desligado que, uma vez estando no destino, acorda de manhã sem saber em que cidade está, que se perde ao dar a volta no quarteirão e sempre esquece o passaporte no banheiro do restaurante não deveria ser forçado a sair de casa, deixe-o seguro em seu hábitat.

Deduz-se que quem vai para o Caribe goste de mar, que quem vai para Nova York goste de agito, que quem vai fazer o caminho de Santiago de Compostela goste de andar, então preste atenção antes de convidar um albino para ir a Aruba, uma monja budista para percorrer todos os bares do East Village e um sedentário para peregrinar. Exemplos meramente figurativos a fim de sugerir: não seja teimoso, não queira mudar o estilo de vida dos outros a fórceps.

Mesmo que você esteja viajando com o amor da sua vida, pergunte-se: somos capazes de desgrudar? Até uma relação Superbonder precisa levar em conta a necessidade do “cada um na sua”, nem que seja por meia hora. Ele encasquetou de comprar uma chave-inglesa numa loja de ferramentas que um amigo indicou e cujo endereço fica duas ruas depois do fim do mundo. Em vez de ir emburrada, não vá. 

Aproveite a folga para revirar uma livraria ou experimentar todas as ofertas de uma loja de cosméticos – e no final da tarde encontrem-se num bistrô morrendo de saudade um do outro e com histórias novas para compartilhar. O mesmo vale para amigos, famílias, turmas – menos para crianças, lógico, não perca o tino.

Poderia escrever várias páginas a respeito, mas já me estendi o suficiente para quem foi estimulada a resumir o assunto em apenas duas palavras. Aliás, me ocorreram agora duas: bom humor. Se existe uma coisa que exige jogo de cintura é viagem – não queira estar ao lado de alguém inapto para o imprevisível.




Jornal Zero Hora - 11 janeiro 2017
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Vem cá, me dá um abraço?!?!?

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